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Álbum da Semana: Rolf Kühn — “Fearless”

Há pouco mais de dois anos, Rolf Kühn nos deixou. Agora, o selo MPS lança seu álbum “Fearless”, que foi gravado apenas poucas semanas antes de sua morte — um último testemunho do clarinetista excepcional alemão, que até o fim buscava troca artística e espírito experimental.

Rolf Kühn 2024 © Harald Hoffmann

Quando Rolf Kühn no final de junho de 2022 entrou no Hansa Studio em Berlim com seu quarteto para gravar o projeto Fearless, ele não sabia que seria seu último álbum. O clarinetista excepcional, que completaria 95 anos este ano, olhava para uma carreira extraordinária, algo que provavelmente não se verá mais. A surpresa para as gerações futuras é ainda maior ao poder vivenciar, com Fearless, um último testemunho dessa lenda do jazz.

Lisa Wulff, Túpac Mantilla, Rolf Kühn, Frank Chastenier 2024 © Harald Hoffmann

Crescendo em Leipzig durante o período do Nazismo, Kühn eve seu primeiro contato com o jazz logo após o fim da Segunda Guerra Mundial — por meio de um disco de Benny Goodman, que o fascinou profundamente. Naquela época, o jovem Kühn certamente não imaginava que um dia conheceria pessoalmente o lendário clarinetista americano e tocaria em sua banda por dois anos. Em 1956, Kühn nse mudou para Nova York, depois de já ter feito nome na Alemanha como músico de jazz, incluindo seu trabalho com a Orquestra de Dança RIAS. Lá, teve a oportunidade de conhecer grandes nomes como Benny Goodman, Count Basie e Sarah Vaughan — e até morou no mesmo prédio que Billie Holiday até retornar à Alemanha após seis anos.

A infinita curiosidade de Kühns sua abertura e tolerância para novos estilos, assim como o intercâmbio com os mais diversos artistas, o acompanharam até o fim de sua vida. Por meio de suas experiências excepcionais, ele moldou um estilo único, sem igual. Com uma enorme variedade de influências e técnicas musicais, Kühn lançou inúmeros álbuns, incluindo o lendário Solarius (1964), gravado com seu irmão, o pianista Joachim Kühn, que ajudaram a tornar o jazz alemão e europeu famosos mundialmente.

Seu último projeto, Fearless, também é marcado por essa liberdade, complexidade estilística e princípios de improvisação. INas semanas e meses que precederam a gravação, o quarteto intergeracional, composto pela baixista Lisa Wulff, o percussionista Túpac Mantilla e o pianista Frank Chastenier, havia tocado algumas das faixas selecionadas em concertos, e agora queria registrá-las em disco. Neste projeto Kühn se aventurou pela primeira vez em um experimento e, como ele mesmo contou, “decidi conscientemente, ao compor, deixar o piano de lado como instrumento de controle. Então, compus na mesa de café da manhã.”

Livremente, a partir de sua cabeça, ele anotou as ideias que agora seriam livremente desenvolvidas pelos quatro músicos no estúdio, em um processo de troca constante. “O tema está completamente composto e a estrutura foi definida nos ensaios, mas, a partir daí, somos totalmente abertos e não discutimos sobre quem vai tocar qual solo; tudo vai se desenrolar naquele momento, no estúdio”, contou o clarinetista.

O som quente e inconfundível da clarineta de Kühns, marcado por sua virtuosidade excepcional, se integra de forma habilidosa aos outros instrumentos. Além de sete composições próprias, o álbum apresenta três versões notáveis de outras músicas, incluindo Tears in Heaven , de Eric Clapton, e Somewhere, de Leonard Bernstein — mais uma prova de que Kühn nunca se fechou para diferentes gêneros e categorias musicais. Seu ecletismo e abertura para a experimentação sempre foram partes centrais de sua identidade artística.

Por desejo próprio, para algumas faixas do Fearless, foram feitos arranjos para cordas pelo arranjador Jörg Achim Keller, que foram então gravados com o Bauzás Cuareim-Quartett e adicionados posteriormente às gravações. Kühn tocou pela primeira vez com o violinista argentino Rodrigo Bauzá em seu último concerto, realizado no início de junho de 2022 na Elbphilharmonie de Hamburgo, mas não chegou a ouvir as gravações finais para o álbum.

Com muito respeito e cuidado, este álbum Fearless foi finalizado por seu irmão Joachim, sua esposa Melanie, sua banda e o arranjador Keller — e exibe uma liberdade absoluta de gestos e inspiração, que, no fim das contas, representa pela última vez a extraordinária carreira de Rolf Kühns, sempre marcada pelo experimentação e pela diversidade.

O selo MPS lançou recentemente a mini-documentário Rolf Kühn - About His Album “Fearless”, com entrevistas de Kühn, assim como de seus colaboradores, algumas das quais foram filmadas ainda durante o período de gravação no estúdio. O documentário já está disponível no YouTube.